sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Os Inexplicáveis Poderes do Manto (Parte 2) - por Walter Monteiro

Os Inexplicáveis Poderes do Manto - Parte 2

Sexta, 4 de outubro de 2013 por Walter Monteiro | tag Walter MonteiroFlamengoManto Sagrado,


veja aos 8 segundos, eu era um daqueles caras que atravessam vários trilhos , pois o ramal do trem que eu ia não tinha plataforma no maracanã .... com os olhos da razão , quem se arriscaria a ser atropelado por um trem , mas o que vinha em retribuição era maior que tudo isso...
Escrever em blogs é uma experiência singular, porque você nunca sabe como as pessoas vão reagir ao seu texto. No outro blog que eu escrevo, Ouro de Tolo, há mais de 2 anos escrevi um artigo afirmando que Oficiais de Justiça ganhavam muito quando comparados a outras profissões das carreiras públicas e até hoje sou perseguido por Oficiais enfurecidos com a minha opinião. Na época das eleições do Flamengo, disse coisas horríveis, impensadas, das quais me arrependo amargamente. Definitivamente, é um passatempo para se aborrecer e cultivar inimizades.

O bom é que às vezes tem uns dias emocionantes.

Nossa supervisora de conteúdo aqui do MAGIA, a queridíssima Vivi Mariano, puxou minha orelha na segunda-feira, dizendo que eu precisava tornar mais regular minhas contribuições. Eu ando meio devagar porque tá chato para caramba falar de Flamengo, o time não estava colaborando, a eleição parece que não acaba nunca, uma brigalhada sem fim, um deserto de boas notícias.

Mas como escrever aqui é uma das coisas mais importantes da minha vida atual e temendo uma retaliação do nosso Conselho Editorial, eu resolvi trabalhar. Queria fazer um texto otimista, alto astral, relatei minha experiência doméstica, o despertar rubro-negro de minha filha Catherine, de 2 anos e 5 meses. Recebi um monte de elogios à crônica e mais ainda às minhas lindas gêmeas, com suas expressões assustadas diante dos ornamentos que eu as obriguei a vestir.

Com elogios que vem quase todos de pessoas conhecidas a gente sempre fica na dúvida se as pessoas estão sendo 100% sinceras. Um deles, porém, me chamou muita atenção. Um cara que eu não conheço, Adriano Ourique, escreveu um comentário: "...para mim, menino, pobre, negro e favelado, como muitos, vestindo esse manto eu me sentia muito mais capaz pra conquistar meus objetivos de vida . O Flamengo me supriu de muitas coisas materiais que faltavam."

Resolvi agradecer por email. E acabei trocando umas ideias com ele. Não é que eu tivesse dúvidas, mas a conversa reafirmou a certeza, de modo ainda mais categórico: são mesmo inexplicáveis os poderes do manto.

O Adriano nasceu em 1973 e foi o primeiro flamenguista da família. O pai e os irmãos mais velhos eram tricolores, os tios e primos botafoguenses e vascaínos. Em uma favela encravada em Rocha Miranda, havia um bunker antiflamenguista, impedindo as crianças de escolher o lado certo da vida.

Adiantou pouco, porque com 5 anos ele exerceu o sagrado direito ao livre arbítrio, depois de ouvir pelo rádio o Flamengo golear a Portuguesa por 9 x 0. Desde esse dia, que, segundo ele, foi em 11/11/78, o pai passou a desligar a TV na hora dos gols do Fantástico. Para quem tem menos de 30 anos pode parecer estranho esse comportamento paterno, mas eu, que sou um pouco mais velho que o Adriano, confirmo: naqueles tempos a ditadura estava nas ruas e nas casas, adultos não expressavam publicamente suas opiniões, crianças não tinham vontade. Obedecer e aceitar, sem questionar.

Sua primeira vez que no Maracanã foi em um jogo da Seleção (porque do Flamengo ninguém o levaria mesmo), junto com o pai e os tios, na antiga geral. O lanche que compraram para ele foi a metade de uma laranja descascada, depois um punhado de amendoim direto na lata, mas ele nem ligou, ficou emocionado de ver Zico, Nunes e Junior tão de pertinho. Na volta, no trem lotado, seu pai disse que o Zico morava ali perto da estação de Quintino, ele chorou de emoção, se sentiu realizado.

Manto Sagrado, para valer, só foi ganhar aos 13 anos, comprado pela mãe na Feira da Pavuna - e aí a gente vê como as mães sempre entendem melhor e mais facilmente as vontades dos filhos.

- O fato de ser negro e morar na favela nunca me tirou a dignidade. Eu via no Flamengo tudo que me faltava materialmente, aquilo era a raiz do povo. Até hoje eu não me esqueço, toda vez que eu passava por uma rua do bairro para ir ao Maraca tinha um cara que falava "Já vai dar dinheiro pros jogadores? E eu falava, você dá dinheiro para os traficantes consumindo drogas, então, filho, cada um na sua, me deixa ser o otário e você o malandro."

A vida melhorou bem para o Adriano. Com algum sacrifício, claro. Aos 15 anos ele saía de casa às 5h e voltava às 23h, trabalhando e estudando, mas fez se formou no Senac e não mora mais na favela. Se casou, mora em um bairro de classe média, tem uma banda de rock e se vingou da vida comprando máquinas de Pinball. Quando ele era criança, não tinha dinheiro para jogar nos fliperamas, a menos que catasse papelão e ferro velho para vender. Hoje tem várias máquinas em casa.

E segue, claro, sendo Flamengo, muito Flamengo. Voltou ao Maracanã domingo passado e se convenceu que o papel dele é ajudar, devolver um pouco de tantas alegrias que o clube lhe deu, nos seus 40 anos de vida. Vai virar sócio torcedor ainda esse mês.

Insisto no clichê: vejam como são mesmo inexplicáveis os poderes do Manto Sagrado. Para alguém que não tinha nada, o Flamengo foi tudo, foi a esperança de lutar e melhorar. Quantos Adrianos teremos por aí, sem que a gente se dê conta disso?

E como a vida não cansa de nos pregar peças, o último email que o Adriano me mandou chegou junto com outro que noticiava a aprovação, pelo Conselho Deliberativo do clube, da construção de um estádio VIP na Gávea, onde 70% dos lugares teriam estofamento de plumas e cateringdo restaurante Gero.

Interpretei como ironia.

Mas, se ironia não for, quem sabe a história do Adriano, sua laranja descascada, seu amendoim na lata, sua alegria por arriscar a vida pulando linhas do trem e tudo o mais de sua linda trajetória não sirvam de inspiração para ver que a gente se tornou a maior torcida do mundo exatamente por receber de braços abertos os que catam papelão para jogar vídeo game?

Entretanto, não era disso que eu queria falar. Eu queria mesmo era agradecer ao Adriano por ter confirmado a parte final do meu texto, que agora repito:

O Flamengo é foda! Jamais duvide.

Magia Neles!

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